Chegamos à Guiné-Bissau para levar o cristianismo aos nativos. Depois de alguns anos longe de casa, começamos a sentir falta de certos hábitos do nosso país. De forma especial, alguns alimentos comuns em nossa terra de origem.
Certo dia, descobri numa missão vizinha algumas mudas de abacaxi. Comprei algumas dezenas e pedi a um nativo que as plantasse para nós. Depois de um longo período de espera, aquele solo que raras vezes produzira frutas começou a brotar seus primeiros pendões. Aguardamos com ansiedade o natal, ocasião quando estariam maduros, prontos para serem colhidos.
Qual não foi nossa surpresa quando descobrimos que os nativos roubavam nossas preciosidades antes delas amadurecerem. Revoltado, decidi fechar a clínica que distribuía medicamentos aos nativos, em retaliação ao seu desrespeito para conosco.
As crianças da aldeia começaram a ficar doentes, e quando eles vinham buscar remédios, respondíamos que não os daria, pois eles roubavam nossos abacaxis.
Como o roubo persistia, decidimos também fechar o armazém onde vendíamos produtos que não havia na floresta. Pensava: Agora eles vão ter uma lição!
Os nativos começaram a voltar do vilarejo para a selva. Não havia mais motivo para estarem ali. Nem remédios, nem sal... Ficar na aldeia ou floresta era a mesma coisa.
Assim, acabei por me achar ali, quase sozinho. Eu que tinha saído do meu país para falar de Cristo aos nativos, estava destruindo minha oportunidade de aproximação a eles devido ao amor a uma moita de abacaxis.
Decidi mudar de atitude. Fiz uma prece entregando a plantação a Deus. Parei de me importar com o que aconteceria a ela. Os nativos restantes começaram a achar estranho. Senhor, por que o senhor parou de reclamar do roubo dos abacaxis? O senhor virou cristão?
Foi um golpe tremendo. Percebi que meu apego à plantação me fazia viver uma prática diferente da teoria religiosa que eu apregoava. Como querer que os nativos se interessem pelo Cristo que eu anunciava, se nem eu mesmo seguia realmente seus ensinos?
Respondi aos nativos. A plantação não é mais minha. Eu a dei para Deus. Assustados, temendo roubar a Deus, eles deixaram de pegar as frutas, que começaram a apodrecer nos pés.
Até que colhi alguns abacaxis, deixando outros para os nativos. Antes da sobremesa, agradeci a Deus dizendo: Senhor, obrigado por me permitir comer dos seus abacaxis.
A essência do cristianismo traz consigo o conceito de renúncia e santidade. Abrir mão do que Lhe era de direito foi a atitude de Cristo. Mesmo sendo santo e digno em todos os sentidos, Ele não se apegou ao direito de ser igual a Deus, mas assumiu os nossos pecados como se fossem Seus, para nos reconciliar com Deus, de quem estávamos afastados pelo pecado.
O que fazer diante do que foi exposto? Podemos realizar uma revisão de nossas práticas, buscando observar se vivemos o que cremos, numa prática coerente com nossa fé, ou permanecer agarrados ao Evangelho dos abacaxis. A decisão agora é de cada um de nós.
Renato Gama - Médico e acadêmico de teologia pela UNIGRAN
Artigo baseado na reflexão da Pra. Mirian Natume, proferida em 21 de junho de 2009.