segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Evangelho das facilidades


Texto básico: Carta de S. Paulo aos Filipenses, capítulo 4, versículos de 11 a 13.


11
Não digo isto como por necessidade, porque {já} aprendi a contentar-me com o que tenho.
12
Sei estar abatido {e} sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade.
13
Posso todas {as coisas} naquele que me fortalece.


Alguns fragmentos bíblicos acabaram por virar quase que ditados da sabedoria popular. No texto base, o versículo 13 é um bom exemplo disso. Outro caso que representa esta percepção é o que diz: “... somos mais que vencedores por meio dAquele que nos amou...”.
Ao analisar o contexto destes aforismos, percebemos que estes textos têm sido utilizados em uma interpretação equivocada, completamente fora de seu significado original. Longe de representar meramente um: “comigo ninguém pode”, ou “ninguém me segura”, os ensinamentos do autor têm objetivo bastante diverso. Vejamos:
Paulo de Tarso, anteriormente chamado de Saulo, era um homem de posição social elevada, membro de grupos sociais importantes, com cultura esmerada, poliglota, detentor de cidadanias israelense, grega e romana, era também um religioso exemplar da tradição judaica.
Certo dia, este virtuoso fariseu teve um encontro especial com Cristo, desde quando mudou seus paradigmas. Paulo passou a considerar todas as suas prerrogativas como nada (nas palavras originais do apóstolo, manuscritas em grego, esterco). Depois deste encontro, o pomposo e influente religioso, passou a entender que as verdadeiras virtudes estavam em deixar Cristo cumprir Seus propósitos em sua vida, mesmo que isso lhe acarretasse certas vezes profunda dificuldade.
E sua vida foi um grande exemplo disso. Fez viagens longas, a pé, no lombo desconfortável de animais e, quando melhor, em porões de navios (um deles, inclusive naufragou como nos conta a história). Teve momentos de alegria, mas sofreu perseguições, prisões, apedrejamento, necessidades financeiras e desprezo.
Falando aos cristãos de Filipos, Paulo faz a afirmação que nos serve de texto básico: estou treinado para ter abundância e necessidade. A passar fome e ter fartura. Já estou experiente em todas estas coisas. Posso (suportar) todas (estas) coisas, pois Cristo me fortalece.
Na contramão do ensino paulino, observamos algumas teologias afastarem-se do ensino original, quando muitas comunidades de fé ensinam um evangelho de facilidades, no qual o cristão verdadeiro não fica doente, não passa por necessidades financeiras, não sofre qualquer tribulação, enfim, é o próprio Superman. E para alcançar este status, muitas vezes o preço é cobrado literalmente em Reais, sendo o tamanho da bênção proporcional ao montante da oferta.
Com isso, estamos observando a formação de uma geração de cristãos imaturos, que entram em crises existenciais ao primeiro sinal de turbulência, e que condicionam sua fidelidade a Deus ao volume de bênçãos materiais que recebem. E sob a justificativa bíblica (descontextualizada, é claro) de que “podemos todas as coisas” e que “somos mais que vencedores”.
Fica o desafio de buscar a compreensão coerente do ensino bíblico, e viver um cristianismo consistente, no qual a fé e o amor ao Mestre nos motivem e nos capacitem a, não apenas suportar as crises, mas também permitir que elas amadureçam nosso caráter.

Renato Gama - médico e acadêmico de teologia pela UNIGRAN.
Baseado na reflexão do Pr. Dr. Carlos Oyama, ministrada em 14 de junho de 2009.

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