terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Major Médica da PM-MT lança livro que narra 'dia-a-dia' do Pronto Socorro de Cuiabá

Uma corajosa, precisa e sensível radiografia do Pronto Socorro Municipal de Cuiabá revela as "fraturas", "tumores" e "infecções generalizadas" da unidade de saúde que é o retrato do caos desse serviço público na capital do Estado de Mato Grosso. Trata-se do livro "Pronto Socorro – o segundo diagnóstico", da médica Iraci Lukenczuk Said, que será lançado no próximo dia 11 de dezembro pela Carlini & Caniato Editorial.

Coincidentemente, o lançamento acontece um dia depois do Dia Internacional dos Direitos Humanos. O livro escancara justamente a falta de respeito aos direitos dos cidadãos. A começar pelo desprezo aos direitos dos pacientes. Mas não só. Num ambiente doente ninguém escapa da contaminação. Assim, pessoal administrativo, enfermeiros, assistentes e médicos, todos sofrem com as "infecções" da falta de respeito. Até mesmo os altos dirigentes – infectados pela mosca azul – são vítimas da "doença do poder", que corrói consciências, princípios éticos e danifica a dignidade.

"Pronto Socorro..." é, portanto, um dos mais corajosos relatos sobre as contradições da relação entre dirigentes, médicos, funcionários e pacientes na saúde pública brasileira. Ele descreve com precisão e sensibilidade o dia-a-dia da doutora Iraci Lukenczuk Said, que ocupou por vários anos o cargo de Diretora Clínica do Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, entre 2003 e 2007.

Com um texto primoroso e de muito fôlego, ela examina todas as enfermidades com que conviveu nos quatro últimos anos: falta de remédios, instalações inadequadas para internação, burocracia que aumenta o sofrimento e chega a causar mortes, falta de perspectiva e de participação política dos médicos, descaso das autoridades. Esta realidade chocante é narrada de forma sensível e, por vezes, poética.

Por ser crítica em relação a tudo isso, a médica chegou a sofrer assédio moral. Exonerada irregularmente do cargo de Diretora Clínica, recorreu do processo e saiu vitoriosa, voltando a exercer seu trabalho. "Estava só naquela sala, senti a força do poder contrário. A Direção do pronto-socorro e da Secretaria Executiva Municipal queriam me tirar, eu me tornara inconveniente para eles..."

Baseado em fatos reais, o livro não cita nomes. Isso porque o objetivo, segundo a autora, não é apontar culpados, mas sim discutir os problemas da saúde pública, que são os mesmos em todo o País.

Seu objetivo também é informar ao público leigo, que não tem conhecimento do que se passa entre as quatro paredes das instituições de saúde. Para tanto, a linguagem é simples e direta, "para tocar o coração das pessoas", segundo define ela.

As condições precárias na saúde pública interferem diretamente na relação entre os funcionários e os pacientes, diz ela. Os salários defasados, a tabela de preços paga pelo SUS pelas consultas, exames e outros procedimentos são alguns dos problemas apontados. Pela tabela do SUS, uma consulta custa R$ 10,00, um atendimento em sala de parto, R$ 27,00.

"São valores irrisórios, por isso não existe interesse financeiro do médico em relação ao trabalho". A baixa remuneração obriga o médico a cumprir várias jornadas de trabalho, aos domingos, feriados, à noite.

"...Era assim com todos os médicos. Eles não tinham tempo para nada, para suas coisas. Comecei a ouvi-los, precisa consultá-los. Era o desabafo: vários empregos. Sentiam-se sobrecarregados. (...) Cansaço geral, eles não tinham condições de ouvir os problemas dos pacientes porque os seus eram graves demais."

Embora explique o mau atendimento, essa realidade não o justifica, explica a médica. "Mas a relação entre paciente e médico é agressiva, o paciente também já chega agressivo, expondo problemas que muitas vezes nem são de doença. Sua insatisfação com as más condições do sistema de saúde é descontada no funcionário."

Criado em 1988, o SUS é, segundo Iraci, "um grande plano de saúde". "Só precisa investir mais. As pessoas chegam ao SUS com a expectativa de serem bem atendidas, e elas merecem isso."

Entre as necessidades urgentes, segundo ela, estão o aumento do salário e os investimentos na melhoria da infra-estrutura. Também é preciso melhorar a gestão das unidades de saúde e garantir a continuidade dos programas implementados. "Há uma rotatividade muito grande dos profissionais, cada um que sai leva seus projetos consigo. Não há uma continuidade no trabalho", opina.

A autora

Iraci Lukenczuk Said é médica com residência em Pediatria, pós-graduação em Medicina do Trabalho e especialização em Gestão Pública. Atualmente é major médica da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso e membro da Academia Nacional de Saúde das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, onde ocupa a cadeira nº 36.

Foi Diretora Clínica do Pronto Socorro Municipal de Cuiabá entre 2003 e 2007.

fonte: MidiaNews

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