domingo, 25 de novembro de 2007

Ouvidoria do SUS registra 6 mil reclamações por falta de médico

Este número foi registrado nos 9 primeiros meses deste ano em Mato Grosso e refere-se a profissionais especialistas

A Ouvidoria Geral do Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 6,532 mil reclamações de falta de médicos especialistas em Mato Grosso no período de janeiro a setembro. As especialidades em que há mais carência relatadas na ouvidoria são de cirurgia ortopédica e traumatológica, cirurgia gastroentereológica e cirurgia cardiovascular. A ausência de profissionais dificulta o acesso dos pacientes às consultas e a medicamentos de receita azul, os remédios controlados. Uma das reclamações que chegou às mãos da ouvidoria é de uma mulher com epilepsia que não conseguiu a receita porque não havia neurologista para atendê-la. O trabalhador G.D.C., 26, perdeu a viagem de Juara (709 km da Capital) para Cuiabá com objetivo de pegar a receita e adquirir remédios para controlar a ansiedade. Ele faz tratamento para abandonar o alcoolismo.
Não falta médicos em Mato Grosso, mas existe a má distribuição dos profissionais. No Estado, o Conselho Regional de Medicina (CRM) estima que há cerca de 3,8 mil profissionais. Deste total, pelo menos 2 mil estão na Capital e em Várzea Grande. A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza um médico para cada mil habitantes, mas não discrimina a relação população com o número de especialistas. Em Mato Grosso não há dados de quantos especialistas trabalham na rede pública.
Reumatologia - O secretário-adjunto da Secretário de Estado de Saúde (SES), Victor Rodrigues, enumera ainda a falta de psiquiatras, anestesistas e endocrinologistas, mas a situação é ainda pior na área de reumatologia. Há apenas 7 especialistas neste segmento da medicina. Somente 3 deles atuam na saúde pública para atender toda a população de Mato Grosso que depende do SUS.
A agenda para a consulta com esses médicos é concorridíssima. Os pacientes ficam meses na lista de espera. O mesmo ocorre para conseguir uma vaga com psiquiatra na rede pública de Cuiabá. Se o paciente quiser uma consulta com o especialista há vagas apenas em março de 2008.
A funcionária pública Sisléia Cardoso, 37, aguardou durante dois meses para conseguir uma agenda com o médico preparado para atuar com doenças mentais para o filho dela J.,17. Mas no dia marcado, o profissional havia saído de férias e ela não tinha sido avisada. Chegou às 8h do dia 22 de novembro, mas apenas 40 minutos depois foi informada que o médico não viria trabalhar. Disseram a ela que outro profissional a atenderia, mas até o final da tarde, Sisléia e o filho ainda estavam a espera de um médico. "Quando não falta médicos, eles chegam atrasados para trabalhar. Isso é um desrespeito. Pessoas com problemas mentais são muito ansiosas, não aguentam esperar tanto tempo".
No mesmo dia em que Sisléia aguardava atendimento de psiquiatra, o médico Josemar Barreto pediu demissão do cargo agravando ainda mais a falta de atendimento. Todas as consultas agendadas com ele tiveram que ser remarcadas. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) ainda terá que contratar um outro profissional para preencher a vaga.
Baixos salários - Mas será uma tarefa difícil. Em primeiro lugar porque não há muita disponibilidade de mão-de-obra neste segmento da medicina, em segundo porque os salários oferecidos para quem se habilita a ser médico da rede pública em Cuiabá são considerados baixos pela categoria. O salário base é de R$ 600. Para dar uma melhorada, a secretaria incrementa com gratificações, chamadas pelos médicos de "mensalinhos", pois elas não contam para a aposentadoria.
A dificuldade em selecionar médicos é tão grande que a diretora de atenção secundária de Cuiabá, Nadja Vasconcelos Castro, comenta que em outras vezes, a SMS publicou anúncio em jornal contratando médicos, mas não houve candidatos a vaga.
Uma das alternativas para a falta de especialistas seria que os médicos da atenção básica - Centros de Saúde e do Programa Saúde da Família (PSF) - pudessem ser mais resolutivos do que encaminhar a demanda de pacientes para especialistas.
O secretário adjunto de Saúde, Victor Rodrigues, pondera que a concepção do médico generalista do SUS não é aplicada da forma esperada. Eles deveriam cuidar desde dor no pé até a cabeça, como os antigos médicos da família faziam. No caso das receitas azul, o médico da atenção básica poderia fornecer aos pacientes, em vez de encaminhá-los para uma "romaria" em busca de atendimento via Central de Regulação.
Interior - Mas se em Cuiabá paga-se um salário base menor que dois salários mínimos, no interior de Mato Grosso mesmo oferecendo valores que variam de R$ 8 mil a R$ 15 mil, há a dificuldade de manter esse médico no local. A presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems), Marineze Meira, diz que há casos de municípios que passam alguns períodos sem o profissional na cidade, como em Nova Maringá (400 km de Cuiabá).
Quanto mais no extremo norte, os gestores são forçados a prometer aos médicos salários superiores ao do prefeito. Alguns não cumprem por força da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) outros além de pagar a mesma remuneração do prefeito, oferecem vagas em hospitais para complementar a renda do médico.
A presidente do Sindicato dos Médicos (Sindimed), Maria Cristina Pacheco, rebate que os salários pagos nem sempre são os mesmos que o prometido pelos gestores. Ela sustenta que o médico no interior fica praticamente a disposição 24 horas, não tem a garantia da estabilidade e corre o risco de ser dispensado com a troca da administração municipal. Além das consultas ambulatoriais, o profissional é chamado para fazer cirurgias em qualquer horário. A médica conta que morou durante 10 anos no interior e sabe das dificuldades do profissional que reside num local sem estrutura. "As pessoas param o médico até no supermercado para consultas rápidas".
Para ela, não basta os secretários contratarem apenas um médico, mas recrutar a quantidade necessária de profissionais da área da saúde e não apenas da medicina. Ela pondera que falta gerenciamento e investimentos na saúde pública, além da criação de carreiras de médico no serviço público. Há uma proposta nacional do piso de R$ 6,963 mil para 20 horas de trabalho.
Estrutura precária - O presidente do CRM, Aguiar Farina, comenta que os médicos cobram salários acima de R$ 8 mil para o interior porque as cidades não têm estrutura e se trata da lei da oferta e da procura. Quanto maior a necessidade do profissional, mais cara é a mão-de-obra dele. "O médico bem pago tem um rendimento melhor. Isso acontece com qualquer profissional".
O secretário-adjunto da SES destaca que ocorreu um episódio que ilustra bem esse impasse entre o que se paga ao profissional e o que é ideal. O ex-titular da pasta da Saúde estadual, Marcos Machado, em visita a uma unidade de saúde percebeu que um médico não tinha comparecido no serviço. No dia seguinte ele retornou ao local, conversou com o médico e percebeu que ele estava insatisfeito com o salário e queria ganhar o mesmo que um promotor de Justiça (Machado é promotor) de R$ 15 mil. O então secretário concordou, mas em contrapartida, cobrou dedicação exclusiva do profissional, mas ele não aceitou porque tinha clínica privada e não queria abrir mão dos pacientes particulares e os conveniados.

.
fonte: Gazeta de Cuiabá

Nenhum comentário: